Monitorar PIC em TCE grave: novo estudo mostra benefício

Por Maramélia Miranda

tags:: pressão intracraniana, estudos clínicos, monitorização, terapia intensiva neurológica, tratamento, traumatismo craniano


Embora amplamente utilizada na prática de terapia intensiva neurológica, não há uma evidência robusta do benefício da monitorização da pressão intracraniana (PIC) como coadjuvante para o tratamento de hipertensão intracraniana (HIC) em pacientes vítimas de trauma cranio-encefálico (TCE) grave. Recentemente, Farahvar e colaboradores estudaram uma coorte prospectiva e multicêntrica de pacientes com TCE grave (banco de dados da “Brain Trauma Foundation New York State”), avaliando a frequência de monitorização da PIC e sua relação com a mortalidade nestes pacientes. O estudo incluiu pacientes com TCE e escala de coma de Glasgow (ECG) < 9, cuja apresentação no hospital tivesse sido com < 24h do trauma. O desfecho clínico avaliado foi mortalidade em 2 semanas. Dos 2134 pacientes com estas características em um período de 9 anos (2000 a 2009) de coleta do banco de dados prospectivo, 1446 receberam terapia anti-HIC nas primeiras 48h de hospitalização (ex.: manitol, derivação ventricular externa, solução salina hipertônica, barbitúricos ou cirurgia descompressiva). Deste grupo selecionado, 1202 (82.9%) tiveram monitor de PIC e 244 pacientes foram tratados ” às cegas” (sem monitorização da PIC).

Resultados. No grupo com PIC monitorada, a mortalidade em 2 semanas foi de 19.6%, contra 33.2% do grupo sem monitorização (p < 0.0001). Estes achados foram corroborados pela regressão logística, que encontrou um impacto da monitorização da PIC com a menor mortalidade em 2 semanas (OR 0.63; 0.41-0.94, p = 0.02). Os grupos avaliados diferiram nas variáveis de idade – mais jovens nos monitorados (38.3 +/- 17.5 anos vs 45.9 +/- 21.8 anos; p =0.0001); e de frequência de anormalidades pupilares – menos presente nos monitorados (23.0 % vs 32.6 %, p = 0.003). Outras variáveis, como menor pontuação na ECG, TC anormal e presença de hipotensão no D1 da hospitalização, também foram indicadores independentes de pior prognóstico.

Problemas. É um estudo bastante significante, afinal, trata-se um número expressivo de pacientes… Mas os autores não obtiveram informações sobre: porcentagem de pacientes que tiveram retirada de cuidados médicos (nos dois grupos, sobretudo no grupo com monitor de PIC); racional para a escolha entre monitorar ou não os pacientes; método (ou variabilidade de método / técnica) da monitorização da PIC, considerando ser um estudo multicêntrico; ou a efetividade atingida de controle da PIC nos pacientes avaliados. Por último, mas não menos importante, o critério em considerar a mortalidade em 2 semanas (tão curto período) como desfecho primário foi escolhido pela informação presente em mais de 85% do banco de dados avaliado, diferentemente da escala de outcomes de Glasgow, usada comumente nos estudos clínicos em Neurotrauma.

Bom, é um assunto “quente”. Certamente irá gerar discussões, sobretudo em se tratando da sua publicação em uma revista de excelente qualidade e fator de impacto (Journal of Neurosurgery).

Deixo aqui a lembrança aos colegas neurointensivistas e neurocirurgiões, mostrando-os o quanto temos de espaço para trabalhar projetos e novas ideias neste campo, nas nossas UTIs e NeuroUTIs. Principalmente em nosso país, onde há locais sem disponibilidade de uso de monitorização de PIC… A faca e o queijo, nas nossas mãos.

LINK – acesso livre à íntegra do artigo:

Farahvar A, Gerber LH, Chiu Y, Carney N, Hartl R, and Ghajar J. Increased mortality in patients with severe traumatic brain injury treated without intracranial pressure monitoring. J Neurosurg 2012;117:729-34.

Evidência: O Programa da Saúde da Família é eficiente no AVC?

/

Por Norberto Cabral e Gisele Sampaio

O acidente cerebrovascular (AVC), um dos maiores problemas de saúde pública mundial e primeira causa de óbito no Brasil, foi responsável em 2010 por 9% de todos os óbitos ocorridos no país (99.732/1.136.947). A evolução das taxas de incidência entre a década de 70 até os anos 2000 demonstra que a quantidade de novos casos em todo o mundo dobrou em países de baixa e média renda, e diminuiu 40% em países de alta renda. Estas diferenças são expressão da qualidade da prevenção seja pública ou privada.

No Brasil, onde 78% da população (150 milhões) usam o SUS, esta prevenção ocorre nos ambulatórios dos bairros. Ela é focada, principalmente, nas pessoas portadoras de hipertensão arterial, diabetes, tabagismo e colesterol elevado e visa, fundamentalmente, prevenir dois desfechos duros: AVC e infarto do miocárdio.

Desde 1994, existem no Brasil dois modelos principais de assistência ambulatorial pública: as unidades do Programa da Saúde da Família (PSF) e as unidades não-Saúde da Família, os chamados “postinhos” ou UBSs (Unidades Básicas de Saúde).

O PSF, visto como um programa ideal e sendo foco estratégico do Ministério da Saúde, realmente funciona? Quais as evidências de efetividade?  A pergunta é pertinente, até porque cada equipe custa 30% mais que o modelo usual.

Em um estudo com seis anos de seguimento, publicado em outubro de 2012, no American Journal of Public Health, Cabral e colaboradores da Universidade da Região de Joinville acompanharam 241 pacientes que sobreviveram ao primeiro AVC  ocorridos em 2005 e 2006, em hospitais públicos  de Joinville  (500 mil habitantes, dois terços usuários do SUS) e que voltaram para suas casas, continuando a prevenção secundária nos seus respectivos ambulatórios, comparando os dois tipos de tratamento preventivo (PSF vs não-PSF).

Conseguiram demonstrar que o modelo PSF é mais eficiente que o modelo convencional.  Entre os pacientes que foram pelo menos duas vezes ao ano ao seu posto, foram comparadas as taxas de um segundo AVC, a ocorrência de um infarto do miocárdio ou óbito ao longo de seis anos, entre 103 pacientes no grupo PSF e 138 pacientes não-PSF.

Em seis anos, 38% (39/103) dos pacientes que estiveram sob assistência das 35 unidades PSF de Joinville (que atendem 36% da população) faleceram. Entre os que tiveram assistência nas 21 unidades não-PSF,  54% (75/138) tinham falecido.  Foram consideradas variáveis como a influência da gravidade do primeiro AVC e grau de escolaridade.

Curva de sobrevida apos 6 anos do primeiro evento de AVC, dividido entre pacientes em tratamento no PSF e não PSF.

O estudo concluiu que a prevenção secundária e regular em unidades PSF reduziu em 16% o risco absoluto de óbitos ou, visto de outra forma, a cada sete pacientes tratados no modelo PSF, um óbito foi evitado. Embora não significativa, a diminuição da morbidade pode ser menor também entre nos pacientes do grupo PSF, pois 30% (31/103) tiveram um segundo AVC ou um infarto do miocárdio contra 36% (50/138) no grupo não PSF.

Modelo do PSF – Ministério da Saúde

No modelo do PSF, cada equipe atende por agendamento, entre 600 a 1000 famílias cadastradas, em uma equipe composta por clínico geral, um enfermeiro, quatro agentes de saúde e que recebem salários competitivos com o mercado. As unidades não-PSF, criadas antes do modelo PSF, não tem agentes de saúde e são compostas por clínicos, enfermeiros, ginecologistas e dentistas que atendem por demanda.

De um programa restrito a poucas regiões do país em 1994, o modelo PSF está em franca expansão nacional. Atualmente o PSF atende 100 milhões e está presente em 90% das cidades brasileiras. Popular, é comum se ouvir dos candidatos a prefeito que irão ampliar o número de unidades PSF.

O modelo PSF tem mais de 15 anos de existência. Já existiam evidências robustas de eficácia do PSF na redução da mortalidade infantil, e os resultados de Joinville, que precisam ser replicados em outras cidades, mostra também eficácia na mortalidade de pessoas adultas. Isto não é pouco, pois idade é um fator de risco mais potente que hipertensão arterial e o país irá envelhecer muito nas próximas décadas.

Obs. Texto adaptado da Newsletter NeuroAtual, Out/2012.

Vitamina D e Esclerose Múltipla: Mais evidências desta interação

Por Maramelia Miranda

tags:: esclerose múltipla, vitamina D, terapia, tratamento, fatores ambientais, estudos com vitamina D

Que a vitamina D deve ter alguma influência sobre a prevalência/risco, o curso e a evolução da Esclerose Múltipla (EM), isso certamente não temos mais dúvida. A hora agora é saber o quanto, ou quais seriam os níveis séricos protetores de vitamina D, em tese respondendo até quanto poderemos dar aos pacientes na terapia de reposição…

Nesta linha, mais um estudo foi publicado, há 4 dias, na edição de 20/11/12 da revista Neurology tentando estabelecer este número “mágico”.

O estudo observacional, realizado na Universidade de Umea, na Suécia, utilizou um banco de amostras de sangue coletado de programas de saúde populacionais locais desde 1975, analisando e comparando controles normais e pacientes que desenvolveram posteriormente a EM. Salzer e colaboradores analisaram o risco de EM e os quartis de níveis da vitamina nas amostras estudadas. Chegaram ao ponto de corte de níveis de vitamina D > 75 nmol/L versus < 75 nmol/L, e encontraram um menor risco de EM nos indivíduos com níveis de 25-OH vitamina D > 75 nmol/L (OR 0.39, 95% CI: 0.16–0.98)…

Conclusão dos autores (redação original):

“This study supports the presence of an association between high 25(OH)D levels during the years preceding disease onset and a decreased risk of MS. In the very limited material with samples drawn in early pregnancy, where month-of-birth effects were controlled for, we found no association between gestational 25(OH)D levels and MS risk in the offspring. Decreasing 25(OH)D levels in the population may contribute to explain the increasing MS incidence that is suggested from epidemiologic studies.”

Obs. Alguém me ajuda em encontrar um conversor de unidades, para saber qual seriam estes níveis em ng/mL (unidade comumente usada aqui no Brasil)?????? O que revisei de literatura fala em níveis deficitários abaixo de 25nmol/L e suficientes acima de 50 (nas unidades usadas nos EUA e Europa)… Ou seja, o achado deste estudo sueco seria um ponto de corte 50% maior?

Transferindo para os valores e unidades brasileiras (normal > 30ng/mL; insuficiente < 20ng/mL) –> o ponto de corte encontrado no estudo sueco seria de 45ng/mL?

Ajuda dos “universitários” …. Comments, please!!!!!!!!!!

Quanto mais “gelado”, melhor!!!

Por Maramélia Miranda

Enquanto nós aqui no Brasil ainda penamos para implantar nos nossos hospitais (públicos e privados) o tratamento sistemático com hipotermia em pacientes pós-PCR (terapia de primeira linha nesta condição), tentando montar e fazer funcionar protocolos institucionais de hipotermia nas UTIs… Ah… Far away, very far away from this situation

O mundo já discute não mais a efetividade deste tratamento, mas qual a temperatura ideal para metas de melhores desfechos clínicos.

No congresso (semana passada) da AHA, em Los Angeles, e em publicação online simultânea (na Circulation aqui), foram apresentados os resultados preliminares de um estudo espanhol que testou hipotermia com temperaturas diferentes (32°C vs 34°C). Sabemos que a terapia é indiscutivelmente benéfica para melhorar desfechos neurológicos, mas as recomendações falam atualmente em temperaturas de 32°C a 34°C, sem especificar qual seria o melhor nível entre estes.

Estudo pequeno, mas inteligente e interessante em tentar responder uma das muitas questões ainda abertas neste campo, como: Esfriar até quanto? Por quanto tempo? Qual o melhor tipo de dispositivo? Como melhor medir a temperatura? Como reduzir variações de temperatura? Como amenizar os efeitos colaterais?

Lopez-de-Sa e col (estudando 36 pacientes, braços de tratamento com 18 doentes cada) demonstraram que esfriar no nível de 32°C foi melhor do que com 34°C… Sugiro a leitura do paper, e do seu respectivo editorial.

Parabéns aos colegas madrilenhos, que mesmo diante de atuais circunstâncias econômicas extremamente adversas para inúmeras áreas, incluido-se aí a Medicina e pesquisas, ainda conseguem fazer ciência de boa qualidade.

Alerta para nós brasileiros. Quando iremos parar de reclamar que  “não dá pra fazer”? Que  “é tecnicamente difícil”, que  “não temos condições / equipamentos / enfermagem / estrutura na UTI…” , etc??? Desculpem-me amigos, realmente fico chateada com este blablabla todo…

Quando iremos começar a estudar e (principalmente) colocar esta boa prática médica NA NOSSA ROTINA DIÁRIA por aqui, eih?!!!

LINK PARA LEITURA

Lopes-de-Sa E et al. Hypothermia in Comatose Survivors From Out-of-Hospital Cardiac Arrest. Pilot Trial Comparing 2 Levels of Target Temperature. Circulation 2012;126:00-00 (publicado ASAP).

PS. Enquanto isso, como neurologista clínica que sou, esta é a minha “vida real” na maioria dos locais onde sou interconsultora:

1 – Chamam o Neuro para avaliar o caso de pós-PCR, depois que o paciente “não acorda”, geralmente após alguns dias da PCR, e depois de (alguns dias) de ter sido desligada sua sedação… E da permanência do coma.

2 – Daí eu faço a pergunta-chave: “Fizeram hipotermia?” E o outro lado responde:  “Que?! Não sei, deixe-me ver aqui na evolução… Humm.. Espere, vou perguntar pra enfermagem, mas você quer que iniciemos então hipotermia?!”

Algumas vezes, dá vontade de responder: “O que você acha de fazer trombolítico EV num caso de AVCi após 14 dias?! Ou de uma laparotomia exploradora numa apendicite após 15 dias? Ou numa drenagem de um hematoma subdural agudo num anisocórico após 24 horas? Inês já está morta (e o cérebro também)… O que tinha de queimar, já queimou, e a hora de salvar, já passou.”

Vasoespasmo cerebral sintomático: experiência canadense

Por Maramélia Miranda

Atenção intensivistas, neurointensivistas, neuroclínicos, neurocirurgiões e neuro-intervencionistas… Será que a milrinona vem aí?!!!!!

Vejam só: um grupo canadense da McGill University, liderados por Marcelo Lannes, publicou em Junho de 2012 na Neurocritical Care, a maior série (n=88) já estudada de casos de hemorragia meníngea por ruptura de aneurismas cerebrais, cujos casos de vasoespasmo sintomático foram tratados sistematicamente com um protocolo institucional que incluiu o uso de milrinona endovenosa (EV) e/ou intraarterial seletiva (IA). Os 88 casos foram submetidos ao protocolo local, com doses em bolus (0,1-0,2mg/kg) seguidas de infusão contínua de milrinona EV (dose 0,75mcg/kg/min), associadas à manutenção da homeostase (normotermia, normoglicemia, correção de natremia e magnesemia), sem o uso rotineiro de hipertensão, hemodiluição ou hipervolemia (terapia dos 3-H). Alguns casos usaram noradrenalina, mas apenas quando havia queda dos níveis pressóricos e não resposta ao tratamento com a droga.

A duração média da infusão da milrinona foi de 9,8 dias (!!! )-oooo). Houve a necessidade de uso de noradrenalina em 68% dos casos. Apenas um caso precisou de terapia com milrinona IA e nenhum caso foi para angioplastia com balão, devido à presença: ou de vasoespasmo difuso não angioplastável, ou por causa da melhora clínica com a repetição da infusão em bolus da droga.

Não houve casos de edema pulmonar, arritmias cardíacas, isquemia cardíaca ou hipotensão severa com o tratamento. Os desfechos clínicos após uma média de 44 meses de follow-up, medidos pela escala de Rankin, foram de 75% dos pacientes com MRs menor ou igual a 2… (detalhe, 16% dos casos com Fisher 1-2; 84% com Fisher 3-4, 75% dos casos com Hunt Hess 1-3…). Vejam os gráficos.

Desfechos dos casos (n=88) um mês após o icto (sangramento).
Desfechos dos casos com mais de 12 meses de follow-up (n=66).

Concluindo, foi um estudo retrospectivo e descritivo, importante ao concluir a segurança e viabilidade do uso da milrinona como adjuvante no tratamento do vasoespasmo sintomático após a hemorragia meníngea por ruptura de aneurisma cerebral…

LINKS

Lannes et al. Milrinone and Homeostasis to Treat Cerebral Vasospasm Associated with Subarachnoid Hemorrhage: The Montreal Neurological Hospital Protocol. Neurocrit Care 2012

Baumann et al. Seeking New Approaches: Milrinone in the Treatment of Cerebral Vasospasm. Neurocrit Care 2012. (Editorial)

Expertise Corner: Qual o futuro da Tenecteplase no tratamento do AVCi agudo?

Por Jamary Oliveira Filho *

No estudo recentemente publicado pela NEJM, o trombolítico Tenecteplase foi comparado a alteplase em um estudo controlado e randomizado fase 2B. O estudo foi aberto, mas os desfechos primários foram avaliados por investigadores mascarados, quanto ao tratamento alocado.

Embora desenhado para ser um estudo na janela terapêutica de 6 horas, a maioria dos pacientes foram recrutados até 4,5 horas. Uma inovação desse estudo foi a seleção dos pacientes, baseada na presença de penumbra, definida por TC-perfusão, o que aumenta a potencial magnitude do benefício no tratamento trombolítico.

Os desfechos primários foram a proporção da penumbra reperfundida nas primeiras 24 horas e o grau de melhora clínica nas primeiras 24 horas definida pela escala de AVC do NIH. No final, 75 pacientes foram randomizados para 0,9mg/kg de alteplase, 0,1mg/kg ou 0,25mg/kg de tenecteplase. Tenecteplase esteve associada a uma maior taxa de reperfusão, melhora clínica nas primeiras 24 horas, e melhor desfecho clínico em 90 dias, quando comparado a alteplase.

O estudo é promissor, mas ainda enfrenta uma série de desafios, como o uso de seleção de pacientes por TC-perfusão em larga escala. A segurança e eficácia da tenecteplase em comparação à alteplase, em pacientes sem oclusão de grande vaso, também não é conhecida. Um estudo maior fase III, comparando alteplase com tenecteplase, será necessário antes de recomendar esta terapia como estabelecida na prática clínica.

* Jamary Oliveira Filho é Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia, coordena o Serviço de Neurologia e NeuroUTI do Hospital Espanhol, em Salvador, a NeuroUTI do Hospital Santa Izabel, e é presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares.

Tenecteplase no AVCi agudo: Novas evidências de superioridade sobre a alteplase

Por Maramélia Miranda

Vou tentar não falar muito. Difícil, mas vou tentar… No ano passado, Letícia Rebello, colega neurologista, comentou aqui no blog sobre o uso da tenecteplase em casos de resgate para trombólise EV com rTPA.

Molécula da Tenecteplase

Desta vez, um grupo de pesquisadores australianos, liderados por Mark Parsons, e tendo entre os seus colaboradores nomes de peso na comunidade neurovascular, como Geoffrey Donnan e Stephen Davis, publicou esta semana na New England Journal of Medicine um estudo pequeno de fase 2, com 75 pacientes, avaliando os trombolíticos tenecteplase (TNK) e alteplase (rTPA) no AVCi agudo até 6 horas, numa seleção feita com TC perfusão, e avaliação de desfechos clínicos e por ressonância magnética.

Foram separados três grupos de tratamento, com 25 pacientes cada, correspondentes ao grupo tratado com rTPA, dose menor, e dose maior de TNK.

Juntos, os dois grupos tratados com TNK tiveram uma maior taxa de reperfusão (55 versus 79%, P=0.004) e melhora clínica (queda de 3 versus 8 pontos na escala do NIH, P<0.001) em 24 horas. Não houve diferenças em relação às taxas de sangramento ou eventos adversos sérios. O grupo de tratamento com a dose maior de TNK (0.25 mg/kg) foi superior à menor dose (0.1 mg/kg) nos desfechos de eficácia.

Os autores concluem: “Tenecteplase was associated with significantly better reperfusion and clinical outcomes than alteplase in patients with stroke who were selected on the basis of CT perfusion imaging.”

Será o fim do reinado do rTPA no AVCi agudo?!

Que venha o estudo de fase 3!!!!

LINKS

A Randomized Trial of Tenecteplase versus Alteplase for Acute Ischemic Stroke – Artigo (abstract) do estudo.

Thrombolysis: newer thrombolytic agents and their role in clinical medicine – Revisão da revista BMJ sobre novos trombolíticos.

Tenecteplase é segura como terapia de resgate na trombólise endovenosa – Post do iNeuro publicado em junho de 2011.

CLOSURE I: Fechamento de Forame Oval Patente é semelhante ao tratamento médico em pacientes com AVCi criptogênico

Por Maramélia Miranda

Fechamento de forame oval patente (FOP) no AVCi.

O CLOSURE I foi um importante estudo prospectivo e randomizado, financiado por uma das companhias que produz os devices de fechamento – NMT Boston –  e planejado para avaliar a conduta endovascular (fechamento percutâneo) versus o tratamento conservador em casos de AVCi ou AIT com etiologia criptogênica / indeterminada.

Nosso blog já tinha adiantado este resultado desde 2010, e agora saiu, finalmente!, a publicação do trial na NEJM. Furlan e colaboradores estudaram 909 pacientes de 18 a 60 anos com AVCi criptogênico e FOP, comparando o tratamento médico versus o seu fechamento percutâneo, e analisando desfechos de AVCi ou AIT em 2 anos, morte em 30 dias, ou morte de causa neurológica em 2 anos.

Houve AVCi ou AIT em 2 anos: em 5,5% dos casos submetidos ao fechamento versus 6,8% no grupo tratado clinicamente (HR 0,78, 95% CI, 0,45-1.35, p=0,37). Ou seja: sem diferenças. Frustrante.

Conclusão (transcrevo o texto do abstract):

“In patients with cryptogenic stroke or TIA who had a patent foramen ovale, closure with a device did not offer a greater benefit than medical therapy alone for the prevention of recurrent stroke or TIA”

Leiam o abstract AQUI. Tem também editorial, de S Claiborne Johnston, da UCSF.

Será o fim do tratamento percutâneo de FOP em AVCi? Certamente não. Mas uma boa mensagem para nosso aprendizado é avaliar bem os casos criptogênicos, discutir com os pacientes quando há ou não FOP, avaliar se há realmente risco de recorrência de eventos, a presença de eventos prévios, a anatomia do defeito septal, e mandar fechar FOPs apenas em casos bem, bem, bem selecionados.

E que venham o RESPECT e o REDUCE!!!!

Traumatismo craniano grave: Amantadina pode ser benéfica

Por Maramélia Miranda

Lembram que comentamos no ano passado, aqui no Blog, a respeito de uma apresentação no congresso da Academia Americana de Neurologia de 2011 sobre este tema? Naquela época, tentei acesso ao poster, mas não tive sucesso.

Quase um ano depois, aquele estudo agora é publicado na edição de 01/mar/2012 da NEJM. Pesquisadores do Hospital de Reabilitação da Harvard Medical School (Boston, MA), liderados por Joseph Giacino, avaliaram prospectivamente a recuperação funcional de pacientes com traumatismo craniencefálico. Foram randomizados 184 pacientes com TCE grave, que estavam em estado vegetativo persistente ou estado de consciência mínima, na fase subaguda (de 4 a 16 semanas) após o trauma,  recebendo placebo ou amantadina por via oral.

O follow-up do estudo foi de 6 semanas, incluindo as 4 semanas de tratamento ativo com a droga (ou placebo) e mais duas semanas de descontinuação do tratamento. Houve uma melhora significativa na escala de avaliação funcional “Disability Rating Scale (DRS)”, no grupo que usou amantadina, com uma redução (melhora funcional) de 0.24 pontos por semana (P = .007), o que indicou um benefício estatisticamente significativo. Além disso, após a parada do medicamento, o subgrupo de tratamento ativo teve um declínio da taxa de melhora significativamente maior do que o subgrupo que utilizou placebo, corroborando a hipótese de que a droga parece acelerar a recuperação funcional nestes indivíduos.

LINKS

Giacino et al. Placebo-Controlled Trial of Amantadine for Severe Traumatic Brain Injury. N Engl J Med 2012; 366:819-826.

Estenoses Intracranianas: SAMMPRIS publicado!

Depois de anunciarmos em primeira mão a recente interrupção do estudo SAMMPRIS – veja aqui, há alguns meses atrás, hoje temos a satisfação de postar um review do artigo sobre este estudo, publicado online pela NEJM em 7 de setembro último.

Como já tínhamos adiantado a todos, nos pacientes com AIT ou AVCI recente devido a estenose de alguma grande artéria intracraniana entre 70 a 99%, o tratamento médico agressivo foi superior à combinação de tratamento com angioplastia + stenting e tratamento médico agressivo, e o número de complicações relacionadas ao procedimento intervencionista foi quase o dobro dos controles históricos de estudos relacionados ao WINGSPAN, e por estes motivos, o NIH resolveu interromper o estudo SAMMPRIS.

Resultado do Estudo SAMMPRIS

A comunidade neurológica estava ansiosa por aguardar a publicação, e enfim, chegou! As taxas de AVC e morte em 30 dias, no grupo tratado com tratamento médico agressivo + angioplastia/stenting com Wingspan, foi de 14,7%, número substancialmente superior aos observados em dois registros e um estudo clínico prévios com o mesmo tipo de stent (4.4% a 9.6%). Ao contrário, o braço de pacientes submetido a tratamento médico agressivo teve taxa de eventos ocorridos bem inferior ao controle histórico de tratamento clínico (estudo WASID), de cerca de 5,8% em 3 e 12% ao ano, versus 10,7 e 25%, respectivamente, do estudo WASID.

A discussão do artigo é bem interessante, levanta questionamentos a respeito do expertise dos neurointervencionistas, do seu credenciamento, das taxas de complicações periprocedimentos dos casos de angioplastia/stenting, timing dos procedimentos, frequência das complicações, entre outros pontos que renderão longas controvérsias…

E mais uma coisa importante: nos pacientes tratados clinicamente, as drogas antiagregantes usadas foram o AAS associado ao Clopidogrel, na fase aguda do AVCi ou AIT – uma conduta que, certamente, será replicada na prática clínica, com grandes chances de ser adotada nos guidelines futuros…

O artigo está disponível para download em PDF, na íntegra, gratuitamente, no site da NEJM.

Ah! Claro. Tem editorial. Por Joseph Broderick.

Links Relacionados

Estenoses Intracranianas: SAMMPRIS interrompido!

Stenting versus Aggressive Medical Therapy for Intracranial Arterial Stenosis – Original article

Editorial NEJM – The Challenges of Intracranial Revascularization for Stroke Prevention