Quanto mais “gelado”, melhor!!!

Por Maramélia Miranda

Enquanto nós aqui no Brasil ainda penamos para implantar nos nossos hospitais (públicos e privados) o tratamento sistemático com hipotermia em pacientes pós-PCR (terapia de primeira linha nesta condição), tentando montar e fazer funcionar protocolos institucionais de hipotermia nas UTIs… Ah… Far away, very far away from this situation

O mundo já discute não mais a efetividade deste tratamento, mas qual a temperatura ideal para metas de melhores desfechos clínicos.

No congresso (semana passada) da AHA, em Los Angeles, e em publicação online simultânea (na Circulation aqui), foram apresentados os resultados preliminares de um estudo espanhol que testou hipotermia com temperaturas diferentes (32°C vs 34°C). Sabemos que a terapia é indiscutivelmente benéfica para melhorar desfechos neurológicos, mas as recomendações falam atualmente em temperaturas de 32°C a 34°C, sem especificar qual seria o melhor nível entre estes.

Estudo pequeno, mas inteligente e interessante em tentar responder uma das muitas questões ainda abertas neste campo, como: Esfriar até quanto? Por quanto tempo? Qual o melhor tipo de dispositivo? Como melhor medir a temperatura? Como reduzir variações de temperatura? Como amenizar os efeitos colaterais?

Lopez-de-Sa e col (estudando 36 pacientes, braços de tratamento com 18 doentes cada) demonstraram que esfriar no nível de 32°C foi melhor do que com 34°C… Sugiro a leitura do paper, e do seu respectivo editorial.

Parabéns aos colegas madrilenhos, que mesmo diante de atuais circunstâncias econômicas extremamente adversas para inúmeras áreas, incluido-se aí a Medicina e pesquisas, ainda conseguem fazer ciência de boa qualidade.

Alerta para nós brasileiros. Quando iremos parar de reclamar que  “não dá pra fazer”? Que  “é tecnicamente difícil”, que  “não temos condições / equipamentos / enfermagem / estrutura na UTI…” , etc??? Desculpem-me amigos, realmente fico chateada com este blablabla todo…

Quando iremos começar a estudar e (principalmente) colocar esta boa prática médica NA NOSSA ROTINA DIÁRIA por aqui, eih?!!!

LINK PARA LEITURA

Lopes-de-Sa E et al. Hypothermia in Comatose Survivors From Out-of-Hospital Cardiac Arrest. Pilot Trial Comparing 2 Levels of Target Temperature. Circulation 2012;126:00-00 (publicado ASAP).

PS. Enquanto isso, como neurologista clínica que sou, esta é a minha “vida real” na maioria dos locais onde sou interconsultora:

1 – Chamam o Neuro para avaliar o caso de pós-PCR, depois que o paciente “não acorda”, geralmente após alguns dias da PCR, e depois de (alguns dias) de ter sido desligada sua sedação… E da permanência do coma.

2 – Daí eu faço a pergunta-chave: “Fizeram hipotermia?” E o outro lado responde:  “Que?! Não sei, deixe-me ver aqui na evolução… Humm.. Espere, vou perguntar pra enfermagem, mas você quer que iniciemos então hipotermia?!”

Algumas vezes, dá vontade de responder: “O que você acha de fazer trombolítico EV num caso de AVCi após 14 dias?! Ou de uma laparotomia exploradora numa apendicite após 15 dias? Ou numa drenagem de um hematoma subdural agudo num anisocórico após 24 horas? Inês já está morta (e o cérebro também)… O que tinha de queimar, já queimou, e a hora de salvar, já passou.”

Craniectomia descompressiva no TCE grave: operar ou não operar?

Já está publicado online na página da New England Journal of Medicine, desde a semana passada, um artigo interessante que promete muitas emoções e controvérsias no meio neurocirúrgico e da Terapia Intensiva Neurológica. O DECRA Trial, um estudo multicêntrico, prospectivo e randomizado, avaliou 155 pacientes admitidos com trauma craniano grave e hipertensão intracraniana, comparando os tratamentos conservador versus a craniectomia descompressiva, na fase aguda e após 6 meses de evolução dos pacientes. Realizado em 15 centros, distribuídos na Austrália, Nova Zelândia e Arábia Saudita, o trial analisou os parâmetros na fase aguda, como tempo de internação, dias de hospitalização, níveis de PIC e PPC, além do desfecho dos pacientes após 6 meses, com a escala extendida de Outcomes de Glasgow.

Pressão intracraniana antes e após os tratamentos conservador e cirúrgico.

A conclusão: em adultos com TCE grave e hipertensão intracraniana refratária, “early bifrontotemporoparietal decompressive craniectomy decreased intracranial pressure and the length of stay in the ICU, but was associated with more unfavorable outcomes.”

Desfechos desfavoráveis ocorreram em 70% dos casos operados, versus 51% nos tratados clinicamente.
Desfechos desfavoráveis ocorreram em 70% dos casos operados, versus 51% nos pacientes tratados clinicamente (p=0.02).

Controverso… Bem controverso. Vale a pena ver o artigo na íntegra, as tabelas de desfechos, o timing da cirurgia, os critérios de HIC utilizados, entre outras variáveis.

Para ver o artigo em PDF, é só clicar AQUI.

Ah! Quase que ia esquecendo: tem também um editorial, sobre o artigo publicado: AQUI.