Ele está consciente, doutor? Ativação cerebral pelo EEG, em coma arresponsivo

Este artigo é fenomenal! E será – sem dúvida, uma referência a partir de agora, no entendimento do assunto complexo que é prognosticar pacientes com coma arresponsivo em situações de lesões cerebrais agudas.

Foi publicado na semana passada, na NEJM, com editorial e inúmeras manifestações e críticas, todas bastante positivas, por expoentes importantes da Academia, nas redes sociais.

Estudo

O grupo de pesquisadores americanos da Columbia University (NYC) liderados por Jan Claassen, estudou prospectivamente grupo de pacientes na neuroUTI do seu hospital, que tinham diversos tipos de lesão cerebral aguda e estavam em situação de coma sem resposta aos estímulos verbais.

Avaliaram as respostas no EEG destes pacientes, com a adição de machine learning no EEG para a detecção destas respostas, quando estes pacientes eram expostos a estímulos verbais à beira-leito. Depois disso, avaliaram desfechos funcionais na alta em em 12 meses (usando a GOS-extended scale) e compararam estes desfechos clínicos com os achados das respostas eletrofisiológicas no EEG.

De um total de 104 pacientes estudados, 16 (15%) tiveram ativação cerebral detectada pelo EEG modulado com software de IA-Machine learning.

50% dos casos com resposta no EEG, versus 26% nos casos sem resposta, melhoraram de algum modo durante a internação, ao ponto de atenderem comandos simples antes da alta.

Em 12 meses de follow-up, 44% dos pacientes com respostas positivas no EEG, versus 14% nos casos sem resposta, tiveram escala GOS-E de 4 ou mais pontos, significando, portanto, independência funcional de pelo menos 8 horas durante o dia (OR, 4.6; 95% Cl, 1.2-17.1).

Ou seja, apesar de pequeno, unicêntrico, uma barbaridade de observação clínica, principalmente em se tratando de centro americano, onde, sabemos, existe bastante a conduta de retirada de cuidados – às vezes bastante precoce, a chamada self-full-filling prophecy… Os autores concluíram que – na fase aguda de uma lesão cerebral aguda, cerca de 15% com exame clínico de coma arresponsivo, apresentam ativação cerebral no EEG, aos comandos motores.

LINKS

Claassen et al. Detection of Brain Activation in Unresponsive Patients with Acute Brain Injury. NEJM 2019.

Menon & Chennu. Inverting the Turing Test — Machine Learning to Detect Cognition in the ICU. NEJM 2019 – Editorial.

 

 

Eculizumab foi eficaz para NMO: Resultados do PREVENT Trial

Publicado na NEJM em 3 de maio e com apresentação programada para dia 7 de maio na Filadélfia, no Congresso Americano de Neurologia, o estudo PREVENT – Prevention of Relapses in Neuromyelitis Optica, estudo randomizado e controlado fase 3, que avaliou prospectivamente 143 pacientes com NMO com anticorpos AQP4 positivos, tratados de abril de 2014 a outubro de 2017, em 70 centros de 18 países.

Foi financiado pela Alexion, companhia que produz o Eculizumab (Soliris), um anticorpo monoclonal que inibe a proteína do complemento C5, prevenindo sua quebra em C5a, molécula que é proinflamatória e coordena a formação de complexos que atacam a membrana celular em doenças autoimunes.

O nome comercial da droga é Soliris. Já ouviram falar? Sim, é aquela droga caríssima, conhecida como “a droga mais cara do mundo”, a mesma usada na Hemoglobinúria Paroxística Noturna, e também aprovada pelo FDA para casos atípicos de Síndrome hemolitico-urêmica (SHU) e miastenia gravis generalizada,

O grupo tratado (n=96) recebeu 900mg da droga por via endovenosa, semanalmente nas primeiras 4 semanas, seguindo-se doses de 1200mg quinzenais. O grupo placebo teve 43% (20 em 47  casos) de crises de recorrência da doença (relapses), versus 3% (3 casos) no grupo ativo do estudo (HR 0,06, 95% CI, 0,02-0,20; p< .001). O desfecho secundário de crises de recorrência anuais foi de 0,02 no grupo do eculizumab e 0,35 no grupo placebo (rate ratio, 0.04; 95% CI, 0.01 to 0.15; P<0.001).

A mudança de escore EDSS foi similar nos dois grupos (-0,18 vs 0,12, para grupo ativo e placebo, respectivamente).

LINKS

Pittock et al. Eculizumab in Aquaporin-4–Positive Neuromyelitis Optica Spectrum Disorder – PREVENT Trial. NEJM 2019.

Pittock et al. Eculizumab in AQP4-IgG-positive relapsing neuromyelitis optica spectrum disorders: an open-label pilot study. Lancet Neurology 2013.

Novo Guideline de prevenção primária em doenças cardiovasculares

Publicado simultaneamente na JACC e Circulation, por ocasião do ACC’2019 ocorrido em New Orleans. Seguindo recomendações de recentes estudos da Cardiologia, que não mostraram efeito da aspirina na prevenção primária, a nova diretriz destaca a importância maior de controlar os fatores de risco modificáveis e seu impacto na prevenção das DCV. A recomendação de dose baixa de aspirina agora é classificada como IIb, com indicação mais restrita, em pacientes com alto risco de DCV aterosclerótica entre 40 a 70 anos, que não tenham maior risco de sangramento. Outro aspecto bem importante ressaltado pela diretriz: discutir as estratégias e escolher os tratamentos em conjunto com os próprios pacientes: “Patient-centered care” recomendado na linha de cuidado!!!!!!!

LINK

Arnett et al. New AHA/ACC CVD Primary Prevention Guideline. Circulation 2019. 

Supplemental Data. 

MIR Trial: Não adianta adicionar mirtazapina a IRSS ou IRNS em depressão resistente

Alô, Alô, moçadinha!!!!

Leiturinha interessante. Publicação da BMJ do final de 2018.

Adicionar mirtazapina ao esquema de monoterapia com IRSS ou IRNS (dual) em depressão clinicamente resistente, neste estudo clínico fase III, não se mostrou estratégia benéfica. Essa ideia veio de estudos menores anteriores com resultados positivos da associação ser benéfica em pacientes resistentes à monoterapia.

Agora, este grande trial multicêntrico joga um baldinho de água fria nisso…

Artigo na íntegra, free online à disposição de todos!!!!!

Divirtam-se!

LINKS

Kesller et al. Mirtazapine added to SSRIs or SNRIs for treatment resistant depression in primary care: phase III randomised placebo controlled trial (MIR). BMJ 2018. 

EURAP Registry: Qual é o antiepiléptico mais seguro na gravidez?

Estudo prospectivo internacional, base de dados gigante, de milhares de pacientes em 42 países no mundo todo, 87% centros europeus.

Impacto altíssimo. Dados estatísticos indiscutíveis. Paper para leitura obrigatória.

Importantíssimo para a nossa prática.

Estudaram simplesmente 7355 gestações, analisando as 8 drogas antiepilépticas mais prescritas em monoterapia no mundo, e observando desfechos de efeito teratogênicos.

Ranking dos FAE

Atenção amigos: Abaixo, a listinha Top 8 – em ordem descrescente – do uso, nesta base de dados, de monoterapia em epilepsia:

  1. Lamotrigina
  2. Carbamazepina
  3. Valproato
  4. Levetiracetam
  5. Oxcarbazepina
  6. Fenobarbital
  7. Topiramato
  8. Fenitoína

Resultados

Maior dose do FAE = maior efeito teratogênico, na maioria das drogas.

Comparações entre drogas. Fizeram. Comparativo de doses. Fizeram.

Campeão de efeito teratogênico? Valproato, dose-dependente (maior dose, maiores taxas de eventos). Com dose > 1400mg, pouco mais de 25%, e menor que 600mg, 6,3%.

Drogas mais seguras: Lamotrigina, em doses menores ou iguais a 325mg ao dia (frequência de malformações congênitas = 2,5%), levetiracetam (2,8%, qualquer dose) e oxcarbazepina (3% em qualquer dose).

Realmente, este artigo é muitíssimo interessante!!!!!!! Amei.

Mais uma que não sabia: o tão comentado e prescrito ácido fólico não serve pra nada em redução de malformações congênitas… !!!!! Chocada fiquei. Não sabia disso.

Já havia resultado similar em estudos prévios. Boa. Mas o efeito na redução de alterações cognitivas após o nascimento e redução de autismo é observado, e a recomendação de dar folato às futuras mamães usuárias de FAE prossegue firme e forte, mas por causa disso!

Conclusões

Trata-se do maior estudo de banco de dados prospectivos até hoje realizado e publicado comparando diferentes tipos de FAE e os riscos de malformações congênitas “major” em casos de gravidez usando as drogas.

Abstract conclusion:

” Different antiepileptic drugs and dosages have different teratogenic risks. Risks of major congenital malformation associated with lamotrigine, levetiracetam, and oxcarbazepine were within the range reported in the literature for offspring unexposed to antiepileptic drugs. These findings facilitate rational selection of these drugs, taking into account comparative risks associated with treatment alternatives. Data for topiramate and phenytoin should be interpreted cautiously because of the small number of exposures in this study.”

LINKS

EURAP Homepage

Tomson et al. Comparative risk of major congenital malformations with eight different antiepileptic drugs: a prospective cohort study of the EURAP registry. Lancet Neurology 2018. 

Penell P. Prescribing antiepileptic drugs to women of reproductive age. Lancet Neurology 2018. 

Escore STOP BANG para risco de Apneia do Sono

Nunca esqueçamos: Mais vale uma apneia do sono na mão, usando CPAP e dormindo bem, do que um monte por aí “voando”, cansados (as), fadigados (as) , hipertensos (as) e se entupindo de hipnóticos indutores do sono.

Durante a consulta, suspeitando do diagnóstico, vale a pena aplicar este questionário simples, estratificador de risco, até como forma de conseguir convencer o paciente a fazer o exame de polissonografia.

Para constar: 90% dos que pegam o pedido de PSG que eu faço, logo em seguida me olham com aquela cara de que “dra., esse exame é meio complicado, dormir fora de casa? Eu não vou fazer esse exame mesmo”… Ou seja, eu sempre fico falando a ladainha de que é importante, você vai ficar melhor, vai dormir melhor, blá, blá, blá…

STOP-BANG Score

Versão Brasileira abaixo.

Ref.: Fonseca et al. Tradução e adaptação transcultural do questionário STOP-Bang para a língua portuguesa falada no Brasil. J Bras Pneumolog 2016.

Corticóides em Neurite Óptica

Estudo canadense.

Comparou a terapia de primeira linha atualmente (metilprednisolona EV 1g por 3 dias) versus prednisona 1250mg VO por 3 dias, em pacientes com neurite óptica até 14 dias de história clínica, sem antecedente de NO no mesmo olho afetado. Conseguiram randomizar 55 pacientes em 3 anos de estudo, e observaram que, após 6 meses, a latência no PEV foi similar nos grupos analisados (melhora de 62 mseg vs 66 mseg, terapia IV vs VO, respectivamente, p=0,07). Achado similar (sem diferença estatística) ocorreu no desfecho de melhor acuidade visual corrigida em 1 mês e 6 meses.

Resultado de imagem para emoji thinking

Só fico pensando numa coisa: Como dar 1250mg por dia de pred VO, quando a dosagem que temos disponível aqui no país é de 20mg (comprimidos)…?

LINK

Morrow et al. Effect of Treating Acute Optic Neuritis With Bioequivalent Oral vs Intravenous Corticosteroids. A Randomized Clinical Trial. JAMA Neurology 2018. 

Transtornos funcionais em Neurologia: Como não cair em pegadinhas

Artigo de revisão nota mil, sobre transtornos funcionais em Neurologia. Situação incomum, difícil no diagnóstico e manejo.

Muitas vezes somos literalmente “enganados” pelos casos reais. E hoje em dia, com Google, Internet, Youtube, redes sociais… A coisa está a cada dia mais refinada… Acreditem.

Se você ainda era do grupo que não conhecia o termo, não fique inibido. A mudança é recente mesmo. O DSM V (publicado em 2013) removeu as nomenclaturas anteriores, introduzindo o termo “funcional” às desordens com sintomas neurológicos anteriormentes descritos de diversas formas, como transtorno psicogênico, conversivo, somatoforme, psicossomático, piti, etc…

Mais do que nunca, somos obrigados a treinar, fazer o exame neurológico cuidadoso, e ter aquele “olho clínico” quando algo aparenta ser “bizarro”, “diferente”… Pra saber reconhecer e conduzir da melhor forma os pacientes com estes sintomas. E o principal – evitar exames e investigações longas desnecessárias, de alto custo, e sobretudo, procedimentos terapêuticos invasivos fúteis.

LINKS

Spay et al. Current Concepts in Diagnosis and Treatment of Functional Neurological Disorders. JAMA Neurology 2018.

Stone et al. Functional symptoms and signs in neurology: assessment and diagnosis. JNNP 2005.

Stone J. Functional neurological disorders: the neurological assessment as treatment. Pract Neurol 2015. 

Stone & Edwards. Trick or treat? Showing patients with functional (psychogenic) motor symptoms their physical signs. Neurology 2012. 

Atualização em 18 jun 2018: Adicionei 2 artigos do expert Jon Stone, bastante didáticos e bem lembrados pelo nosso colega fera Fabiano Moulin.